Ecovia do Vez

De um lado o rio, ora calmo, ora revolto, embalado na canção das pedras e dos redemoinhos. Do outro a vegetação, o verde nos troncos entrelaçados de musgo, onde saltitam chilreios, os salpicos amarelos dos prados, a vigilância das dedaleiras. Passadiços atravessam águas e desnudam cascatas. Passa alguma gente, mas pouca, que não se esquece do cumprimento. Na maior parte do caminho somos os únicos donos deste reino.

 

 

Guardar a chuva

Não têm guarda-chuva: as flores. Mas guardam a chuva: as gotas que ficam quando a chuva se vai. Avivam-lhe as cores quando, mesmo tímido, o sol as acaricia.

Vinhas do Minho

Aqui as vinhas são telhados: não rasteiam. Mas as rainhas da paisagem, na Primavera indecisa, são as giestas.

PINTURA

Decidiu a natureza, entregue à luz da manhã, diluída a chuva, salpicar no verde o amarelo, acrescentar as cores vivas das flores, e oferecer-nos esta pintura.

   

SENTADOS

Sentados: a ver passar a vida. Os olhos abandonam-se no carro que passa, no guarda-chuva descuidado que a chuva não convence. Na tarde que se arrasta, mais uma passa no cigarro, mais um gole na cerveja. Calados. A conversa já se esgotou no eco dos dias.

CINZENTO - III

De cinzento para cinzento. Deixo a chuva lá fora e tenho encontro marcado com o betão.

SILÊNCIO - III

- Pára com essa cantilena! – Disse-lhe ele, no limbo do adormecer.

Já nem calada estava em silêncio. O ruído dos seus pensamentos perturbava o mundo em redor. Era tempo de acalmar a mente.

Ovelha negra

A sua cor, quebrando a homogeneidade do alinhamento, não deixava dúvidas. Os outros, na tolerância do enfado, só desejavam que desaparecesse. Porque, ainda que silencioso, era demasiado evidente.

ABANDONO

Abandonados ao primeiro grito, da água irreversivelmente expulsos, tornamo-nos para sempre carentes desse embalo, procurando restabelecer a ligação.

CASCATA

Até quando correrá o rio? Até onde se materializam as lágrimas para que se desidratem as emoções?

Dupla personalidade

A Primavera anda confusa. Às vezes quer ser Verão, outras vezes deixa-se invadir pela nostalgia do Inverno.

METÁFORAS

Gostava de metáforas. Só nelas se revia: não no turbilhão de palavras com que vestia os seus dias.

O poder da palavra

A palavra tem um caminho: a palavra pensada, a palavra pronunciada, e a palavra ouvida. E ao longo desse caminho se transforma. Mesmo se, no final, a palavra for sempre a mesma.

GRANITO

Tão forte, resiste à passagem do tempo. Mas quando erode, em fina areia desfeita, deixa inúmeras partículas, pequenos espelhos, brilhando ao sol.

PRIMAVERA - V

Na montra diz: “Preços de Primavera, 20% de desconto.” E logo me surge a questão: “E a Primavera, vem incluída no preço dos sapatos?”