sexta-feira, 26 de outubro de 2012

SAUDADE


Choro por ti ainda em vida.

Uma vida que se escoa ao sabor dos dias que passam. Já uma sombra, um esgar, de outros dias que já não eram bons. Inexorável, esgota-se em cada respiração, em cada sono, em cada palavra não dita.

E são tantas, agora, as palavras não ditas. Ficam no olhar, no gesto, na lágrima. E assim partilhamos o silêncio, como se de uma melodia se tratasse.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Debaixo do lenço

Debaixo do lenço há uma luta surda difícil de compreender e que transparece nas sobrancelhas inexistentes.
Os olhos azuis perdem-se numa cara bonita, onde as rugas não conseguiram triunfar.
E para que não restem dúvidas, sai na paragem do IPO.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Caminho errado


Prosseguir pelo caminho errado é uma forma de obstinação que não compreendo.

Porque uma coisa é defender um ideal em que só nós acreditamos, uma utopia que, quem sabe, um dia, se pode tornar realidade. Outra é já se ter visto que não é utopia, é um pesadelo, muito próximo do terror nocturno.

Seguramente que quem nos governa sofre de sonambulismo. Só assim percebo que caminhe para o precipício sem qualquer medo de cair.

domingo, 14 de outubro de 2012

COMER



Ver alguém fazer esforço para comer é algo que me dói de forma visceral. Dos recônditos da memória invadem-me, sem que de isso me aperceba, as longas horas da minha infância passadas à mesa.

A mesma luta contra a comida que nunca mais desaparecia do prato. O arroz que era afogado com água, reconstruído num grande círculo, fantasiado num bolo e depois cortado em fatias. Para que assim escorregasse melhor.

O menu que me era apresentado não fazia qualquer diferença, porque inexoravelmente era vítima desta violência gastronómica. Entre mim e a comida não havia qualquer respeito e eu tratava-a com o desprezo que a minha anorexia lhe merecia.

É por isso que quando vejo o teu esforço para comer, a criança sem apetite reaparece, toca-me no braço, e sussurra-me: “Por favor, tira-lhe o prato!”

sábado, 13 de outubro de 2012

DESENCANTO


Eu julgava que vivia num país de que me orgulhava. Um país com história, um país ávido de descoberta, que deu novos mundos ao mundo.

Mas agora, invertendo a rota dos descobrimentos, que tanto conhecimento e reputação nos trouxe, esvaziamo-lo promovendo a saída, tantas vezes definitiva, do que temos de melhor.

Escandalosamente, os nossos governantes apregoam isso mesmo, que continuemos a investir na educação para que os nossos jovens emigrem. Aqui não há nada para eles.

Já agora, porque não perdem a vergonha de uma vez por todas, e vendem o país? Que seja agora, e não depois a preço de saldo, quando a miséria for tão grande que ninguém o vai querer.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

ROSTOS

Há rostos que nunca mudam. Rostos onde nem mesmo o tempo, nem as rugas, conseguiram apagar o olhar de menino.
Rostos, onde a todo o momento se espera, que as mãos de velho, retirem do bolso um carrinho de brincar.

domingo, 7 de outubro de 2012

Impotência


Afundado na dor. Procurando no tecto do quarto uma qualquer transcendência que explicasse a inutilidade dos dias.

Subtraído o poder de decisão, condenado a um momento intemporal que alivie o sofrimento, são poucas as atitudes a tomar.

Alhear-se do mundo, não falar, não comer, recusar-se a ingerir pastilhas que, além do mais, não surtem o efeito desejado. Qualquer coisa que abrevie a espera, a degradação morosa e inevitável.

São estes os gritos silenciosos da revolta possível, num fim não escolhido e que se queria pacífico.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Poemas com rima - Estava a gaivota a caminhar…

Dona gaivota
Toda janota
Vai no passeio
Tolo devaneio.

Porque não voa?
A asa não está boa?
Ou será que deseja
Uma ida à igreja?

E assim continua
Dona da rua
E no seu ir e vir
Parece sorrir.