terça-feira, 30 de setembro de 2014

O tempo - V

Trouxe-lhe a doença a preciosidade do tempo. Não a dele. A das crianças. A permanência dos minutos fazem-no viver no presente. Numa loucura lúcida que já não cala o amor.

domingo, 28 de setembro de 2014

REALIDADE

Tal como a luz, a realidade é distorcida pelo nosso prisma. Decomposta numa panóplia de cores individuais, diferentes das do outro. Assim, a realidade é irreal, mera interpretação dos sentidos. Do que sentimos.



















sexta-feira, 26 de setembro de 2014

MALMEQUERES

Trazia-lhe flores. Às vezes malmequeres, que ela gostava mais. Mas levava-lhe a alma. Ficava muito, pouco, nada. Como os malmequeres.



quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A orquestra

Dissonante no início, enquanto não começa o concerto. Cada um no seu trecho, misturam-se acordes que não combinam. Pausa. Afinam-se os instrumentos. Pouco depois, suspensa do movimento do maestro, nasce a sintonia perfeita.

E a solidariedade ultrapassa a melodia, numa corda partida de um primeiro violino. Entre disfarçadas trocas de olhares, é pedido auxílio a um violista da última fila, o mais oculto do público. Trocam-se os instrumentos, e esse violista subtilmente abandona o palco. Até ao fim do concerto. 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Chostakovitch – Sinfonia nº 10, 2º andamento

Da suavidade, à agressividade dos sons, o bailado das mãos do maestro converte-se no frenesim de um polícia sinaleiro num engarrafamento.

Mesmo forte, a música arrepia. Sinto que emana daquele homem pequeno, que cresce com os sons, e que amiúde as calças com a mão esquerda.

domingo, 21 de setembro de 2014

COMUNICAÇÃO - III

Falávamos pouco, mas quando eu falava, tu ouvias-me. E foi assim que ficaste no meu coração.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

AMOR - II

Falhou naquele amor.

Cada vez que abria a porta, espelhava no sorriso a esperança de um retorno. E de cada vez, a corrente de ar da memória, fechava-lhe a porta na cara.


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

MODA

Escrava do sapato
De tacão alto
Sobe a escada
Com a sola virada.

Põe o pé de lado
Todo trocado
E a saia travada
Não ajuda nada.

Se ela pudesse
Alargar a escada
A sua subida
Não era engraçada.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Há momentos

Há momentos em que atravessas os pensamentos. Nas pessoas que me cruzam, nas palavras, na quietude. De forma subtil, a saudade invade-me.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Gymnopedie nº 1 - Erik Satie

Fechava os olhos. Suspensas, as mãos entregavam-se às teclas do piano, abandonavam-se em sons, e toda a alma era música.

Fotografia de Mário Gomes

domingo, 14 de setembro de 2014

HISTÓRIAS

Roubo as palavras. Aproprio-me dos diálogos, histórias perdidas em gente que não conheço. Sem pudor altero-os, enfeito-os, e construo os meus imaginários.

sábado, 13 de setembro de 2014

NOSTALGIA – III

Há muitos anos atrás, outra que já não sou eu atravessava esta Rotunda arrastando as folhas e a luz do Outono que se iniciara. Na nudez deste Verão sem tempo, ainda as ouço restolhar.

Fotografia de Mário Gomes

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

COMUNICAÇÃO – II

Do alto da sua cátedra, monocórdico, usando palavras difíceis, apoiava-se no seu baixo tom de voz, para o quase adormecimento da audiência.

Mas devia ter todas as competências (usando o seu próprio código de linguagem), para perceber como aniquilava a comunicação. Ou, como ele dizia, a partilha.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Broas de mel – as salsichas da pastelaria


- Queria 6 pães, por favor. Tem broas de mel?

- Não vendo broas de mel. São feitas de restos. E eu não tenho restos, só faço aquilo que se vende, não sobra nada. As broas de mel são feitas de restos, com vários dias. Há pessoas que até põem bolos de creme. Disfarçam com chocolate. E além disso, por cada broa de mel, é menos um pastel que se vende.
Quer mais alguma coisa?

- Não, obrigada, era as broas de mel.

Comemos o pão. Mais valia as broas de mel.


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

INSÓNIA - IV

O cérebro acordou-o antes do cansaço do corpo. Fervilhava de ideias nas dores das costas não recuperadas. Prepotente, recusou-lhe o merecido descanso.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

VELHINHOS

Vejo em cada velhinho o meu velhinho. E são os teus pés que se arrastam na fragilidade do olho azul.

domingo, 7 de setembro de 2014

INSÓNIA - III

Deitou-se a adivinhar porque tinha sono. Mas revolvia-se na cama porque o sono não tinha posição. Doía-lhe tudo, mas o que mais lhe doía era a alma.

O toque

Beijos, abraços, festas. Fisiologicamente o contacto físico é uma mais-valia, liberta ocitocinar, proporciona prazer.

Curiosamente, do ponto de vista cultural, nem sempre é assim. E instala-se a distância graças a roupas, tradições, proibições.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

RELÓGIO - II

Estava cansado. Tinha os ponteiros inquietos, arrítmicos. Endurecidos pelos anos, arrastavam-se, com breves palpitações na emoção das memórias. Já não queria corda, a não ser que lha pusessem no pescoço.


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

CANDEEIRO - II

Era a sua luz. Não havia noite ou pesadelo que lhe resistisse. Até as sombras se faziam suaves.






terça-feira, 2 de setembro de 2014

CONJUGAÇÕES

Fazes-me falta. Fizeste-me falta. Fazias-me falta. Ao longo das conjugações perdeu-se a necessidade.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

PARTIDA

Em cada partida há menos regresso. Por isso, quando voltou a casa, a chave não abria a porta.