segunda-feira, 31 de agosto de 2015

BOTÃO

À medida que o tempo passa, na sucessão dos Invernos, urge a necessidade de mandar instalar o botão. O vermelho: que se pressiona em caso de emergência. Quando nada disto funcionar, por favor, apertem o botão.


domingo, 30 de agosto de 2015

ANTIGAMENTE

“Antigamente era uma sardinha para três”. É sempre assim que oiço dizer. Nunca ouvi: uma sardinha para dois ou uma sardinha para quatro. Sou levada a concluir que antigamente as famílias eram sempre em múltiplos de três.


sábado, 29 de agosto de 2015

ROSTO

Os sulcos esculpidos pelo tempo onde já não valia a pena cultivar nada: nada nasceria ali. O desalinho da barba, confundido com o cabelo, onde se acumulavam os detritos da vida. Hesitava a vida, em cada gesto: estremecia a profundidade do olhar.



RECORDAÇÕES – III

Sensação estranha, esta: não me lembro mas é-me familiar.










sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Estado de espírito

Havia dias em que a noite não se despedia, em que o desalinho da insónia se colava ao grito mudo, afogado nas borras do café.




quinta-feira, 27 de agosto de 2015

AGOSTO

Este Inverno em Agosto
Deixa tudo mal disposto  
Um tempo que já não tem rosto

Este tempo é um contratempo
Não se faz ao nosso gosto
Agrava o nosso lamento

Num mundo tão inconstante
Acabaram-se as estações
Entreguemo-nos ao instante
Já não há contemplações

Fotografia de Mário Gomes

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

AMARRAS

Era preciso quebrar as amarras do passado. Mesmo que esculpidas na pedra, era preciso esboroá-las para poder de novo ganhar asas.



terça-feira, 25 de agosto de 2015

domingo, 23 de agosto de 2015

MUDANÇA

Muda a cidade, muda o tempo. Traz ansiedade, traz desalento. Mas se me lembrar onde pertenço: a lugar nenhum, sou deste momento.




sábado, 22 de agosto de 2015

PERSONAGENS

Há uma relação de amor com os personagens. Já havia enquanto leitora, deixando-os entrar na minha vida, pensando neles, sentindo-os como se me habitassem. Agora, quando os escrevo, é ainda mais intenso esse cuidado. Às vezes, sou mesmo tentada a desejar-lhes boa noite quando vou dormir.


FOTÓGRAFO

Com a máquina fotográfica, prolongamento do olhar, capta imagens que ninguém viu. Faz experiências, com adereços coloridos: mas é a natureza o seu maior apelo.




















sexta-feira, 21 de agosto de 2015

CAMINHAR

Eram pés de velho: onde as micoses indesejadas, companheiras de viagem, tinham feito ruínas.

Passara o tempo do passo descuidado: pousava os pés com cuidado como se, de novo, aprendesse a caminhar.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Os filhos - III

Ensinamos-lhes tudo: o que sabemos e o que não sabemos. Queremos o seu sucesso, não queremos que sofram: fazemo-lo por amor. Mas por amor, para aprenderem uma parte tão importante da vida, devemos permitir-lhes a frustração. A aprendizagem por tentativa e erro é saudável, e necessária. Se não lhes damos a oportunidade de aprenderem a lidar com a frustração, como esperamos que sejam felizes?


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

CEGUEIRA

Qual dos dois é o cego? O do passo hesitante, tacteando a vida, absorvendo os sons, sentindo a vida, ou o do rosto fechado, impenetrável à luz que brota?


terça-feira, 18 de agosto de 2015

AUSÊNCIA

Houve um tempo de desejos entrelaçados, de desinquieta insónia em corpos repousados. Demorada no abraço: a noite suspendia-se. Resta, agora, a profundidade do odor.



ACORDAR

A gata ou o cérebro, qual deles me quer fazer sair da cama? Ela arranha a porta, muito provavelmente quer comida. Ele inunda-me de ideias, provavelmente quer que as escreva. Um e outro: não desistem.
Não sei qual deles venceu: o certo é que me levanto.



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

VELHO

Tinha noventa e seis anos escorreitos. Só tinha pena de ter um corpo que já não correspondia à alma que o habitava.


domingo, 16 de agosto de 2015

CONTO

Começo a história. De quase nada: uma frase, uma imagem, um diálogo. E, pouco a pouco, as personagens constroem-se, fogem-me da escrita, independentes. Não há como parar. Sem me dar conta, são elas que ditam o enredo.


NABOS

- Não admira que haja tantos nabos! Passas a vida a tirá-los da púcara. Não te esqueças que a curiosidade matou o gato.

- Estás enganado. O que matou o gato foi a queda do 5º andar!

Fotografia de Mário Gomes

sábado, 15 de agosto de 2015

CANSAÇO - II

Há um cansaço em cada gesto e a mão já não te alcança. Se nos tocássemos, voltarias a ser criança.