Não
era possível que aquele lugar de música fosse, agora, a casa dos instrumentos
parados. Os acordes ainda ecoavam nas paredes, brincavam com o pó dos acordes
dos violinos, e demoravam-se nas teclas do piano. Conseguia ver mãos
imaginárias despertando os arcos dos violoncelos. A voz do soprano desafiando
um clarinete. Uma batuta ondulando sozinha. Uma orquestra ressuscitada dos
confins da memória, da loucura de um sonho.
Estremeceu.
Na sala mal iluminada, onde a música já não tinha destino, avistou a harpa. A
harpa sempre a fascinara. Soprou o pó. Tossiu. Pousou-lhe suavemente os dedos.
A carícia das mãos despertou a delicadeza do som.
Vindas
do desconhecido, as notas desenharam-se na sua cabeça, e a melodia encheu a
casa dos instrumentos parados. Não se espantaria se a orquestra resolvesse
acompanhá-la, numa sinfonia regida por um maestro invisível.Mas
apenas a harpa tocava. Ou melhor, ela fazia a harpa tocar. Acordar da prisão
dos seus anos de abandono.
A Joana
acordou. Tinha os olhos húmidos e, por momentos, não sabia onde estava. A
realidade invadiu-a no alarme do despertador. Tinha de se levantar. Hoje era o
dia do ensaio geral.
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