quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Não era possível

Não era possível que aquele lugar de música fosse, agora, a casa dos instrumentos parados. Os acordes ainda ecoavam nas paredes, brincavam com o pó dos acordes dos violinos, e demoravam-se nas teclas do piano. Conseguia ver mãos imaginárias despertando os arcos dos violoncelos. A voz do soprano desafiando um clarinete. Uma batuta ondulando sozinha. Uma orquestra ressuscitada dos confins da memória, da loucura de um sonho.

Estremeceu. Na sala mal iluminada, onde a música já não tinha destino, avistou a harpa. A harpa sempre a fascinara. Soprou o pó. Tossiu. Pousou-lhe suavemente os dedos. A carícia das mãos despertou a delicadeza do som.
Vindas do desconhecido, as notas desenharam-se na sua cabeça, e a melodia encheu a casa dos instrumentos parados. Não se espantaria se a orquestra resolvesse acompanhá-la, numa sinfonia regida por um maestro invisível.Mas apenas a harpa tocava. Ou melhor, ela fazia a harpa tocar. Acordar da prisão dos seus anos de abandono.

A Joana acordou. Tinha os olhos húmidos e, por momentos, não sabia onde estava. A realidade invadiu-a no alarme do despertador. Tinha de se levantar. Hoje era o dia do ensaio geral.

Sem comentários:

Enviar um comentário