domingo, 30 de abril de 2017

ARRUMAÇÕES - II

Destruíste papel (porque a vida não se mede em recordações cheias de bolor), limpaste o pó, endireitaste objectos. No fim, sentiste que até a tua alma se tinha alinhado.






sábado, 29 de abril de 2017

AMBIVALÊNCIA

Quando, seja qual for o desfecho, haverá uma perda. Nesta amálgama de ses, procuro ser como o rio: deixar fluir.


quinta-feira, 27 de abril de 2017

O silêncio do corpo - II

Saudosa de um corpo silencioso, adormecia a construir frases que começavam com “Quando era nova…” Já não suportava barulhos: roncos, tosse, estalidos dissonantes nos mais simples movimentos, e outros sons que nem é bom referir.
Desejava tanto esse silêncio que o universo, na sua eterna complacência, fez-lhe a vontade: acordou surda.



terça-feira, 25 de abril de 2017

Ressonância magnética - II

Algures entre um campo de batalha e a música techno, tento criar o meu silêncio. Para quem goste de música techno poderá até ser fonte de inspiração. Nos escassos momentos de tréguas, a ventilação converteu-se num suave ronronar. Mas de novo o barulho se faz soberano. Tenho vontade de apertar a campainha e pedir para mudar de faixa. Chopin, por favor.


segunda-feira, 24 de abril de 2017

MAR - VII

Obrigada a viver longe do mar, trauteava as ondas e lambia as lágrimas na nostalgia do sal.


sábado, 22 de abril de 2017

AMENDOINS

Amendoins, alcagoitas (e outras designações que por aí existam), pertencem ao grupo das leguminosas. Confesso a minha ignorância porque sempre as coloquei no rol dos frutos secos. É com eles que convivem, na mercearia ou nos supermercados, partilhando várias semelhanças, como o elevado teor de gordura.

Ainda que agora saiba a verdade, fica-me a saudade desse inocente logro em que vivia, que me permitia ver no amendoim o colega da amêndoa, da noz e da avelã. Não sei se é essa saudade, se teimosia do cérebro (algum desconsolo de se sentir enganado), mas ainda não consigo casar o amendoim com as favas, as ervilhas e os tremoços. 


quinta-feira, 20 de abril de 2017

COZINHAR - II

Não os enchia de beijos, prendas ou declarações de amor. Passava horas na cozinha. Para ela era a melhor forma de lhes mostrar que os amava.



quarta-feira, 19 de abril de 2017

Da efemeridade das flores

Porque são efémeras esperamo-las com paciência. Valorizamos a sua presença, a sua magnificente temporalidade, a renovação que representam. Para algumas, se nos atrasamos, perdemos a temporada. Não estão sempre lá à nossa espera: por isso as enaltecemos.




terça-feira, 18 de abril de 2017

CHUVA - IV

Hoje não me apetece a chuva. Não tenho raízes para molhar, não tenho folhas que se embalem na cadência das gotas, não tenho a sede da fotossíntese. E, além do mais, não tenho guarda-chuva.



segunda-feira, 17 de abril de 2017

INCOMPLETOS

Cara-metade, alma gémea: crescemos a pensar que somos incompletos e que nos preencheremos num outro. Vil falácia que nos faz procurar o que se nos assemelha, tentando mudar o que não faz sentido, quando a unidade só existe dentro de nós.


domingo, 16 de abril de 2017

CALMA

Se o gesto é lento, nada tem de despropositado. Não há chávenas a voar, e os objectos quase ronronam quando são tocados.


sábado, 15 de abril de 2017

VENTRE - II

Põe as mãos no ventre
Não sabe que sente
Talvez seja fugaz
o que o vento lhe traz
Algo mais ausente
que invade o presente
Tanto lhe faz
se adormece em paz.


sexta-feira, 14 de abril de 2017

STRANGE

This is a strange cat that would rather have a window than an entire balcony. This is a strange person that would rather have a balcony than an entire window.


quinta-feira, 13 de abril de 2017

HONESTIDADE - II

Tendo sido acusado de demasiada honestidade, a tal ponto que podia comprometer a eficácia da sua vida, o senhor X começou a mentir um bocadinho todos os dias, na tentativa de alcançar a dose de honestidade adequada. A princípio foi difícil, habituado que estava àquela honestidade pegajosa, um vício forte como o tabaco. A ideia de começar lentamente foi para evitar as agruras da abstinência, embora no caso do tabaco já muitos lhe tivessem relatado o fracasso desse método.
Na verdade, assim em doses suaves, o veneno da mentira penetrou indolor. Acordou um dia na plena desonestidade, liberto de consciência, na tranquilidade de viver num mundo de iguais.



quarta-feira, 12 de abril de 2017

Fechar os olhos

- Se fechares os olhos não podes ver as cores.
- Se fechar os olhos posso ver todas as cores.



terça-feira, 11 de abril de 2017

Sparkling eyes

The sparkling eyes are at sleep now
Because life was lost somehow
I keep walking so I can think
I stare and my eyes don’t blink
Sparkling eyes will soon return
But for now let the tears burn.
  


TROCAS

Troquei as certezas por uma mão cheia de dúvidas. Posso não ir a lado nenhum, mas sigo o meu caminho.


domingo, 9 de abril de 2017

MÚSICA

Percebi agora o amor à poesia: a escrita capta a música das palavras. Como se ouvisse pássaros, como se fluísse o rio. E dessa música me alimento. 




sábado, 8 de abril de 2017

SOLIDÃO

Quando o que mais dói não é a facada do teu inimigo mas a indiferença dos que caminham a teu lado.


sexta-feira, 7 de abril de 2017

SAUDAÇÃO

Será que não saúdo suficientemente alto, será que o meu tímido bom dia se perde no silencioso ruído que no envolve?

Mantenho o exercício da saudação e aceito a não resposta com um sorriso interior. Também o sol não responde e não é por isso que deixo de o saudar.


quarta-feira, 5 de abril de 2017

PRESSA

Não podes hesitar. Não tens tempo de hesitar. Se alguma coisa nos traz, a passagem frenética do tempo, é a benesse do esquecimento, o alheamento do que não é imediato. Mas nesta corrida insana de uma vida imponderada, corremos o risco de nos perdermos.


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Às vezes

Às vezes sou como o vento
ao mundo nada acrescento
às vezes sou desalento
um estranho contratempo.
Mas tudo muda num momento
enovelo o sofrimento
e assim me reinvento.

Fragmento de um painel de Dario Boaventura 

domingo, 2 de abril de 2017

CASAS

Há casas onde
a vida se demora
onde o tempo
não tem hora
onde os passos
ecoam
onde as vozes
ainda soam.
Há casas que permanecem.





sábado, 1 de abril de 2017

ANIVERSÁRIO

Nada mais triste do que uma manhã, de dia festivo no calendário, em que agenda se esqueceu de disponibilizar um sorriso.