domingo, 2 de setembro de 2012

O quarto da minha infância


Este é o quarto da minha infância.

Alguns móveis mudaram, há objectos que não me pertencem. Mas permanece o fio que acende o candeeiro em cima da cama. O que me deu autonomia para ir sozinha à casa de banho durante a noite.

O meu corpo já não é o corpo desse tempo. O do meu pai também não. Preso num corpo que já não lhe obedece, que já não o respeita, e que o maltrata com uma dor constante.

Custa ver chorar os filhos, mas não custa menos ver chorar os pais. As suas lágrimas perdem-se nas minhas.

Não podemos sequer fingir acreditar num novo dia, a sua lucidez não o permite.

Acaricio-lhe o cabelo, a face, as mãos outrora tão poderosas. E desejo-lhe a paz, neste quarto pleno dos testemunhos desse poder.


1 comentário:

  1. Lindo o texto, que é uma verdadeira homenagem a teu pai, o artista Dario Boaventura. adorei!!!

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