quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Adormecer

Baixo as pálpebras. Fecha-se o mundo. No torpor que me invade, penetro em universos paralelos onde a realidade e a fantasia se confundem.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Um dia


Sabias que um dia ia chegar o dia.

Adivinhavas, mas na verdade não sabias, como a emoção se debate numa dialéctica inacabada.

Orgulhas-te do adulto que ajudaste a construir, mas invadem-te as imagens do menino frágil que já não te pertence.

É certo que já há muito que não te pertence, mas é a frieza do quarto vazio que impõe a realidade.  E a sua voz na rotina de outra casa.

Só então, algo furtivas, as lágrimas de saudade.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O caminho

O caminho faz-se.
Nele me entrego em cada dia que passa. Feridas se abrem em memórias que não cicatrizam. Continuo. Procuro o âmago. Não desisto.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Hospital


A sala de espera de um hospital é um sítio estranho.

Há que passar o tempo. Começa-se por falar do problema de quem acompanhamos, das horas já ali passadas, da ansiedade da espera.

Mas depressa passamos para a primeira pessoa, numa catarse das aventuras e desventuras pelo sinuoso terreno da doença. Logo, logo, mais parece uma competição, como que a ver quem já teve mais acidentes de percurso, quem é mais conhecedor, quem melhor se desenrascou.

E eu mesma, sem que disso me aperceba, acabo por entrar no jogo.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Porque a visita a Auschwitz nunca se esquece…


Assaltam-me as imagens das cenas que não vivi.

Eram postos em comboios, com tudo o que tinham em breves malas, e com a promessa de uma vida melhor.



Horas e dias de um transporte desumano não eram suficientes para destruir a esperança. Assim, quando os homens eram separados da família, à chegada, sentiam inveja do suposto banho, do descanso e da refeição quente que as mulheres e os filhos iriam ter.



Mais tarde surgiam as interrogações. Aos colegas magros, vultos de si mesmos, perguntavam quando iriam ver a família.

A tua família? O que pensas que é este cheiro nauseabundo? A tua família já saiu no fumo das chaminés! O mundo então ruía.

Chegaria o tempo em que agradeceriam que assim tivesse sido. Em que desejariam a paz de se converterem em cinzas.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Começar de novo

Podemos começar de novo, mas continuamos a ser tudo o que nos trouxe aqui. Repetimos os mesmos padrões, mesmo vestindo roupas novas.
Precisamos uma vez mais das dores do parto e de quebrarmos o cordão umbilical do nosso velho eu.
Só assim, despidos, nos renovaremos.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Ainda o telefone...


Que mal fez o Vilvaldi para que a Primavera nos seja impingida como sinal se espera?

Uma música bonita, que eu gostava de ouvir, associa-se agora no meu cérebro à irritação da espera. Tanto mais que a espera pode prolongar-se mas a música, essa, não avança. Repetem-se os mesmos acordes até à exaustão. Até que, do outro lado da linha, alguém me salve, ou eu desista.

Porque o Vivaldi, transformado em looping, não se cala.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Para onde foi o sinal de impedido?


Se os sinais são claros, porque não confundi-los?

Antigamente, quando fazia uma chamada telefónica, havia um toque pausado, que uma vez sem resposta, me levava a concluir que não estava ninguém do outro lado. Ou se estava, não queria atender.

Quando por acaso, outro cliente me fazia concorrência na linha, tendo previamente ocupado a mesma, o sinal sonoro era mais rápido, nervoso, como que a dizer-me, desliga que chegaste tarde. Há outro na linha, ou seja, a linha está ocupada. Tenta outra vez. E eu obedecia e desligava de imediato.

Agora, tanto faz que não esteja ninguém ou não queira atender, ou que a linha esteja ocupada, que o sinal é o mesmo. Pausado, indiferente. Para não se saber com o que se conta? Com a ausência de quem atenda ou com a sua ocupação noutra conversa?

Ou seja, o telefone toca, toca, e eu, pessoa de boa-fé, a ligar para um serviço público, vou ter de concluir que é porque a linha está ocupada, e não porque alguém foi tomar café.