Escrevi-te esta carta há cerca de um ano atrás, num dos
teus episódios de maior sofrimento, numa manhã de desespero em que eu senti que
era o tempo da partida, da partida que ansiavas mas que tardava. Escrevi-te,
pedindo mentalmente desculpa por o fazer, movida pela impotência de não te
poder aliviar, e pela certeza de que, no futuro, estas seriam as palavras.
Relendo-o agora, decidi manter este meu testemunho.
10.11.12
Partiste, pai.
Uma morte anunciada, uma longa agonia que, se foi difícil
para nós, para ti foi certamente pior. Tanto, que te deixou sem palavras.
E se eras parco de palavras, eras rico de gestos, que transformaste
em arte. Sensibilidade, beleza, ternura, amor, sempre estiveram nos gestos e
ficarão nas obras.
Lamento não ter podido aliviar a tua dor. A tua revolta.
O teu grito sufocado. Se ainda pudesses esculpir, essas seriam as tuas peças, a
tua última melodia. Lamento que tivesses ter de partir distanciado de tudo, da
tua música, dos teus livros, dos teus programas preferidos. E neste lamento,
grito a dualidade que me sufoca, a dor da tua partida, sobre a qual fui
gastando inúmeras palavras (e sabes como gosto das palavras) e o alívio da
libertação.
Sei que gostarias de ter saído com a tua frase preferida:
“Gostei muito deste bocadinho”. E foi um “bocadinho” bem preenchido, pleno de
amor e de vida, que eu recordarei e reviverei em tudo o que nos presenteaste.
Quando partimos deixamos sempre algo de nós nos outros e
agradeço profundamente o que me deixaste, nos deixaste.
Até sempre
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