segunda-feira, 30 de junho de 2014

O terraço

O S. Pedro da Afurada
Foi em boa companhia
Deslumbrada no terraço
Onde há muito não subia.

As memórias iluminam-se
Tão fugazes como o fogo
Reencontrando nas cores
Aqueles tempos de jogo.

E logo a ponte se derrama
Numa luz que chega aqui
Do terraço abarco o Porto
E uma vida que vivi.











domingo, 29 de junho de 2014

FRENESIM

Oito e pouco. Estação do Metro. Uma corrente de seres humanos, decidida, apressada. Como um organismo único fluímos de forma mais ou menos ordenada, com poucos redemoinhos.

sábado, 28 de junho de 2014

A espécie humana – II

Vivemos em pequenos mundos. Desesperadamente gregários, mas deveras territoriais, oscilamos entre tão opostas realidades. Às vezes de forma algo patética.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

VAZIO

Criamos a ilusão de que o outro está lá para preencher algum vazio. E é assim que deixamos que o vazio se alastre.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O conteúdo e a forma

O conteúdo achava-se muito importante, era a mensagem, aquilo que interessava dizer. No entanto nada era perante a forma. Porque era a forma de dizer a mensagem que fazia a diferença.

As palavras escolhidas, o tom de voz, suavizavam a mais terrível notícia ou destruíam o mais profundo amor.

domingo, 22 de junho de 2014

Em busca dos caracteres perdidos

Era uma vez um concurso literário. Era uma vez um concurso literário que tinha um regulamento. Era uma vez um concurso literário que tinha um regulamento que dizia que no mínimo era preciso escrever vinte mil caracteres com espaços. E a história poderia ter ficado por aqui.

A história da história que venceu é outra. É que os vinte mil caracteres não estavam lá. Uma bruxa (ou várias, lá de onde elas vêm) fê-los desaparecer. Ficaram em quase metade, mas pareciam na mesma vinte mil. Graças ao feitiço dessa bruxa, o júri do concurso conseguiu vê-los. Nuns supostos prólogos e/ou notas prévias, e num “habitual” critério editorial que o só o júri conhecia (o “word” também desconhece), mas que, efeitos do mesmo feitiço, se esqueceu de colocar no regulamento.

Mas, se o feitiço se desfizer, e o júri acordar, mercê de um beijo de um qualquer príncipe encantado, talvez os caracteres que faltam ainda apareçam. Esquecidos nalgum bolso.

Era uma vez um concurso literário que nunca o foi. 

sábado, 21 de junho de 2014

9ª Sinfonia de Beethoven – 3º e 4º Andamentos

Onde os símbolos se fazem música. Os ritmos se fazem ondas. Conversam os violoncelos. Soltam angústias. Subitamente, o poder da voz humana. Arrepio. Cento e cinquenta almas numa só melodia. Comunhão. Plenitude.

Como conseguimos, numa amálgama estranha, ser tão belos e tão destruidores?

quarta-feira, 18 de junho de 2014

PORTO

É aqui que eu me apaixono. Na travessia da ponte, sob a luz do fim de tarde, a cidade cativa-me. Senhora do rio, desnuda-se na espera do ocaso.

E é neste breve instante que sinto o quanto lhe pertenço.

Fotografia de Mário Gomes

sábado, 14 de junho de 2014

Concerto para piano e orquestra

Em cada nota uma carícia. No enlevo, responde o violino. Embala-se o corpo na melodia. Suspende-se a orquestra no monólogo do piano. Reúnem-se os instrumentos na apoteose da batuta.

(Franz Liszt: Concerto n.º 1 em Mib Maior para Piano e Orquestra)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

FRONTEIRAS

Por natureza, não sei estabelecer fronteiras. Reajo à novidade, de braços abertos. Ideias, situações, pessoas. Proporciono um livre-trânsito, não exijo um passaporte para a amizade.

Fruto desta sinalização errada, rapidamente me invadem, traem e esperam de mim o que não posso dar. E quando recuo, sentem-se defraudados.

Devo aprender a prudência.

domingo, 8 de junho de 2014

INÉRCIA

É a inércia que me impede de avançar. Como qualquer outro corpo, resisto à alteração do meu estado, anestesiada na indolência de um não começo.

Mas uma vez vencida a inércia, dominado o meu atrito interior, o pensamento flui. Ideias, imagens, palavras, personagens, rolam no meu âmago e a história constrói-se.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Memória (ou a falta dela)

Hoje encontrei o relógio, perdido em casa há várias semanas. Uma saliência no bolso de umas calças que não usava há muito tempo.

Reconstitui. Sussurrava a voz das coisas perdidas. Mas reconstituir o quê, se o cérebro se entreteve noutras divagações, enquanto comandava gestos sem registo?

segunda-feira, 2 de junho de 2014

A cidade

Hoje olho a cidade com o encantamento de outros olhos. Deslumbra-me através desses olhos curiosos, vindos de outras paragens, que a olham pela primeira vez.


Fotografias de Mário Gomes

domingo, 1 de junho de 2014

Exposição na Unicepe – Homenagem a Dario Boaventura

Todos gostamos de deixar marcas da nossa passagem. Parte de nós assim permanece nos descendentes. Expressões, palavras e gestos, aptidões.
Mas no artista, há a obra que permanece. Um certo olhar que nos olhará por muito tempo. Que nos fará rever o rosto, as mãos, o azul dos olhos. E em cada peça, uma história de amor. Como se ainda se sentisse o afagar do barro.
Repleto de ideias, invenções, palavras. Também escrevia, mas essa faceta ficou ainda mais íntima do que a escultura.
E mesmo as peças de cerâmica, o seu enlevo, poucas vezes conheceram o domínio público. Não esperava mais reconhecimento do que o prazer de nelas se transfigurar. Nelas afastar medos, esquecer pesadelos, resgatar a infância e enaltecer a mãe.
São parcas as palavras para redigir um homem. Sobretudo porque esse homem era o meu pai.  Por isso ficam algumas das suas obras, hoje aqui expostas, que certamente melhor falarão por ele.