sábado, 26 de abril de 2014

O relógio de parede




Parado há anos, acordou após várias tentativas de reanimação. Mesmo sem pace-maker, voltou a bater ritmadamente. Enquanto houver corda, balança-se no tic tac, dá badaladas, canta as meias horas. Indiferente à passagem do tempo, badala a desoras.

Pouco lhe importa o que mostram os seus ponteiros, ou o que reclamam os relógios digitais. Desempoeirando a velhice, segue os seus devaneios, com distinta presença.

sábado, 12 de abril de 2014

O futuro

Refúgio dos nossos pensamentos, anseios, desalento, aí gastamos muito tempo. Pouca atenção prestamos ao agora, tudo é feito em função desses fantasmas. Na criança que cresce, no edifício a ser construído, numa candidatura que submetemos.


O prazer das pequenas horas, do presente, esgota-se na angústia do que há-de vir. E como se não bastasse, ainda envenenamos as nossas atitudes do momento com as agruras do passado. Fruto de uma memória selectiva, deixamos armazenadas, a criar mofo, as alegrias vividas. 

terça-feira, 8 de abril de 2014

SOL - II

Abro os olhos. A penumbra do quarto desnuda-se numa luz intensa. Corro para a janela, abro a persiana.

É mesmo. Um sol sem nuvens, que solta melodias na minha cabeça. E tudo se transfigura, a vida é outro prisma que a luz decompõe.

Imagino a felicidade das plantas que, elas sim, dependem da fotossíntese para viver.


sábado, 5 de abril de 2014

MATERNIDADE - II

Há os filhos que vieram de nós e os que adoptámos. Muitos trazidos pelos nossos filhos. E a maternidade também é isso, esse amor imenso que anseia ser repartido.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

PRIMAVERA - II

Tanta chuva
já enfada
olho o tempo
e não me agrada.

Mas vou fazer
como as flores
e desabrochar
sem rancores.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Monte Colcurinho

Numa subida íngreme, ganhando vários metros em cada curva, lá chegámos ao topo. Por entre a neblina que avançava, indiferente ao frio, erguia-se a Capela da Senhora das Necessidades. Nome adequado, pois os velhinhos que nos indicaram o caminho, bem acharam que nos devia faltar alguma coisa. Riram-se com o nosso propósito.

Isolados de tudo, até do panorama prometido, sentimo-nos no topo do mundo. O frio, a diminuição da luz, não convidavam à demora. Mas bastou descer alguns metros, e como se pairássemos, a visão era um sonho. Onde a alma se perdia na magia daquele entardecer.









terça-feira, 1 de abril de 2014

Dia das mentiras

Se instituímos um dia das mentiras, é porque partimos do pressuposto que somos verdadeiros nos restantes dias do ano. Assim, este seria o dia em que tudo era permitido, em que enganar os outros não passava de um divertimento.

No entanto, a existência deste dia dedicado ao logro, não oferece qualquer garantia sobre a integridade dos outros dias. Com a agravante de nesses outros dias, ninguém saber, de antemão, que pode estar a ser enganado.

Tivéssemos ao menos instituído um dia das verdades. Era pouco, dirão alguns, mas muito poderia acontecer se durante esse tempo fossemos compelidos a dizer a verdade.