terça-feira, 6 de dezembro de 2011

AUSHWITZ

Um dia lindo de sol e, no entanto, mal saí do autocarro senti, como que vinda do nada, uma enorme tristeza. Como se de repente todo o sofrimento acumulado do outro lado das portas que se avizinhavam me invadisse subitamente.
Entrámos e fomos tomando cada vez mais consciência de uma realidade já antes tão ouvida, lida, vista em fotografias, pela voz simpática mas determinada da Anya, a nossa guia. Ainda que fossemos tantos visitantes, tanta gente a visitar o local, cada um dono dos seus sentimentos, para mim foi como se não houvesse mais ninguém, a não ser o que restava de todos os milhares de pessoas que ali sofreram a morte lentamente, refinadamente, às mãos dos nazis. Como disse a Anya, estávamos num enorme cemitério.
As lágrimas nos olhos, foi-me difícil olhar as fotografias, os rostos, o medo, a desumanização perpetrada de modo premeditado, cínico e eficaz. As crianças, bebés, as suas roupas delicadas, que o tempo não destruiu, aqueles casaquinhos, quem sabe tricotados com o enlevo das mães. Porquê?
Não sou capaz de responder. Não sou capaz de entender como um ser humano pode achar que um seu igual é menos do que um animal, é apenas um número, substituído rapidamente quando não funciona, mais rápida e eficazmente do que eu troco um aparelho que deixa de funcionar.
Aushwitz, Bikernau, foram campos construídos com o único fito de matar seres humanos. O primeiro, explorando o trabalho dos prisioneiros e levando-os à morte lenta pela fome e doença. Deliberadamente não eram bem alimentados. Nada se gastava com eles, tudo se reciclava. Até o cabelo serviu para fazer uniformes para os soldados alemães. Quer eles o soubessem ou não.
Para o aproveitamento ser ainda mais eficaz, as pessoas vinham de suas casas com os seus mais preciosos pertences, que tinham de arrumar em 15 minutos, no máximo de 25 Kg, com a ilusão de que iam ser levados para um local melhor. Eu vi os casaquinhos tão bonitos… Era preciso colocar toda a sua vida naquelas malas, parte delas agora expostas no museu. As mais pequenas eram das crianças. À chegada eram delas despojados, depois da roupa que traziam vestida, o cabelo cortado, pois tudo era mais-valia. A roupa, depois de desinfectada, era dada às famílias alemãs mais pobres - o cabelo já o disse. Quem fosse apto para o trabalho adiava a morte, à custa da sua já calculada deterioração.
Alguns escaparam e contaram a sua história, para sempre seres humanos diferentes de todos nós. Mas todos aqueles sapatos que ali estavam guardam a história de quem não sobreviveu para a contar. E esses foram a maioria.
Mesmo depois de saberem a guerra perdida os nazis continuaram o extermínio. Aliás, intensificaram-no, para que pudessem eliminar o máximo de judeus. Tentaram eliminar os testemunhos dos seus actos e quase o conseguiram. Na verdade, só cerca de 10% pagou pelos seus crimes. A Anya mostrou-nos uma fotografia aérea tirada acidentalmente pelos Aliados ao campo de Aushwitz-Bikernau meses antes do fim da guerra, com o intuito de procurarem fábricas, que foi ignorada. Não quiseram ver.
Alimentando a esperança de que nada disto se possa repetir foi construído o memorial. Porque apesar de tudo se acredita no ser humano. O que é bem difícil quando se visita Aushwitz.

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