domingo, 29 de abril de 2012

Poemas - Maternidade

(escultura de Dario Boaventura)

Assim vieste
e o ventre cresceu
pleno da tua vida
ainda tão breve.

Assim nasceste,
pressa de ver o mundo,
saudade de permanecer no ventre.

E tornámo-nos dois.
Parte de mim em ti,
cordão umbilical que não se deixa decepar,
sigo os teus passos,
sonho os teus sonhos,
e se te perdes
eu me perco.

Poemas - Enquanto espero a apresentação de comunicação em ciência


Falta-me a paciência
Já estou farta de esperar
Tenho de falar de ciência
Sem poder desesperar

O pigarro apoderou-se
Da minha voz ansiosa
Mas os rebuçados que trouxe
Deixam a voz airosa

Desejem-me boa sorte
Nesta afoita aventura
A tinha é o meu mote
Chamo-me Paula Boaventura


sexta-feira, 27 de abril de 2012

O medo

O medo protege-nos de nos expormos ao perigo de forma inconsequente e é, provavelmente, uma das primeiras emoções que aprendemos e reconhecemos nos rostos que nos são familiares.
Quando a sentimos o coração acelera o seu ritmo, suamos, podemos experimentar dificuldades em controlar os músculos, graças à bendita da adrenalina, que não faz mais do que nos preparar para um reacção de ataque ou fuga.
É esta a função fisiológica do medo. Tal como outras, sendo necessária, pode ser muitas vezes contraproducente, como acontece quando não há por que ter medo.
Nessas situações, tal como numa reacção alérgica, estamos apenas a reagir inutilmente. E podemos submeter atitudes sensatas ao domínio desta emoção, que tão tiranicamente se apropria de nós.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Pico do Arieiro


Uma ambiguidade de serra e mar. Estamos no cimo da montanha, mas abre-se-nos um tapete de nuvens, um branco etéreo, que evoca a espuma das ondas.



Com esta beleza que me invade, que sem pudor se apodera de todo o meu ser, arrebatando o meu pensamento, só posso sentir paz.

Sentada, sinto que toquei o céu, e que não sou mais do que algo imaterial que se dilui nesta paisagem.

E na música deste silêncio intemporal, só sinto vontade de não sair daqui.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O lado humano dos fiscais


No Metro. Um homem e uma mulher. Conversam.

Ela, na atitude tipicamente feminina. Ajeita-lhe a gravata. Diz que também ela escolheu uma gravata de homem, porque é mais fácil de tirar e pôr sem desfazer o nó.

Ajuda uma senhora que entrava fora de tempo, barrando o fecho das portas. Ele diz-lhe depois que não deve fazer isso, pode vir a ter problemas. Ela diz que é melhor barrar as portas do que ter um cliente magoado, a senhora já ia ficar com a mão presa.

Atende o telefone. Brinca. Deixa cair a garrafa da água, que na queda quase lhe parte alonga unha pintada de rosa. Pragueja.

Conta que há poucos dias, porque estava encostada à porta, quando esta se fechou prendeu-lhe o carapuço, e ela ficou presa pelo pescoço mesmo quando ia iniciar a fiscalização. Ficou tão envergonhada…

Eu, que ando desde o dia 31 de Dezembro (a noite em que um dos meus filhos foi estupidamente multado), a contar as vezes que sou fiscalizada (já agora, dezassete), dou por mim suspensa deste diálogo, em si igual a tantas outras conversações que presencio diariamente.

Será que, quando iniciarem a fiscalização, se vão transfigurar, adquirindo o ar profissional, e pouco humano, de quem anda a ver se nos portamos mal?

domingo, 22 de abril de 2012

Poemas - Chora, meu filho


Chora, meu filho, chora
deixa correr nesse rio
a tua angústia sem hora.
E do teu corpo frio
que sentes como um estranho
liberta no fluir da água
o teu medo sombrio
esse medo sem tamanho.
Permite que floresça na mágoa
a vida que em ti se demora.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Expressões faciais

Li recentemente uma notícia de que os computadores em breve serão capazes de interpretar as expressões faciais humanas.
As expressões faciais, potente veículo de comunicação dos nossos estados emocionais interiores, permite interacção mesmo antes da linguagem verbal. Que o digam os restantes mamíferos.
Foram consideradas como universais por Darwin, mais tarde por Ekman, no entanto estudos recentes questionam esta universalidade, mostrando que cada cultura possui as suas próprias expressões faciais para exprimir emoções básicas.

Somos seres gregários, mas vivemos cada vez mais uma socialidade virtual. Primeiro trocámos os encontros por telefonemas, depois mensagens, e recentemente entretemo-nos a contar a nossa vida nas ditas redes sociais, a pessoas que mal acabámos de conhecer. Convidamos o colega do lado, por e-mail, para vir tomar um café. E, para culminar em beleza, um destes dias vamos transformar o computador em nosso confidente.
Chegamos a casa, ligamo-lo, e ecrã escreve-nos, melhor ainda, sussurra-nos, com voz de GPS, “Estás com má cara, hoje! O que é que correu mal?”

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Ainda a escrita

Há dias ia no carro, a escrever um pequeno texto de que necessitava para uma apresentação oral. Como é meu hábito, escrevia rapidamente e com força, deixando a minha criatividade construir um alto-relevo no papel. As ondulações que imprimo ao papel são tão evidentes, que mais parece que estou a tentar obter algum tipo de Braille manuscrito.
É de tal forma que, se o texto for longo, me fica a doer a mão e o braço. Na verdade, tenho muito a agradecer à existência de computadores. Por muito que martele as teclas, nunca fico assim.
Foi então que o meu filho mais novo, que me observava nesta escrita algo alucinada, me disse: “Estamos a tentar escrever, não a pôr o papel inconsciente”.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Poemas - Às vezes é tão difícil sorrir

Às vezes
é tão difícil sorrir
é difícil pôr nos lábios
o desenho da felicidade.
É então que os olhos se tornam pensativos
e se prendem em pequenos objectos,
num copo de vinho,
num rosto desconhecido.

Às vezes sorrir
é disfarçar a lágrima. 

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Não é um maninho

O que será para uma criança a chegada de um irmão? Obviamente dependerá da sua idade, mas associada à expectativa, à ansiedade, à alegria de vir a ter um companheiro de brincadeiras, haverá algum sentimento de perda, alguma consciência de que o seu mundo vai mudar.

Durante meses é-lhe anunciada a chegada do maninho, esse mesmo que, sem pudor, vai transformando o liso ventre da mãe num imenso balão.

E chega o dia em que, finalmente, vai poder ver o prometido companheiro de brincadeiras. No entanto, muitas vezes, não passa de uma desilusão. Não é um maninho, é um bebé. Só mama, só berra, só chora e ninguém deixa pô-lo a andar de triciclo.

sábado, 14 de abril de 2012

Poemas - Saber ser

Saber ser

Saber ser.
Como a flor
que o sol entontece.
Como o rio
que nunca esmorece.
Como a ave
que quando voa
cresce.

Como a flor
o rio
a ave
não inventar desejos
não despir a inocência
não eternizar o passado
nem temer o futuro.

Saber ser,
em cada momento
e fazer do amor o meu alento.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Ainda Auschwitz

Estou a ler a “A última testemunha de Auschwitz”, de Denis Avey, e à medida que o relato se aproxima dos campos de concentração, dou por mim a ver o que senti, espelhado nas palavras do autor.

Eu não estive lá, estive sim no museu/memorial e nos destroços de Bikernau, por isso fico admirada como mesmo assim, a bestialidade que o memorial emana ainda é tão forte. A ponto de as imagens, as palavras, que na altura emergiram misturadas com lágrimas que não reprimi, serem as mesmas de quem sobreviveu àquela miséria humana.



E assim, tomei novamente consciência da importância do memorial.

terça-feira, 10 de abril de 2012

RECORDAÇÕES



As recordações, ninguém mas pode tirar. Mas certamente que as vou distorcendo com os anos e o que guardo no coração poderá não ser o que realmente aconteceu.

Às vezes vêm mais doces, limadas pelas agruras dos anos que se lhes seguiram, e libertam um sorriso ou uma lágrima. Outras vezes ficam pesadas e quase me afundam no mar do desalento.

Mas pertencem-me e posso ir buscá-las quando quiser.

De qualquer forma, como têm o valor que eu lhes quiser dar, estou a pensar usá-las de forma mais benéfica. Usá-las para não perder a criança cá dentro, os sonhos, as gargalhadas espontâneas. As mais duras, tirar delas as lições necessárias, dar sentido ao sofrimento, e nada mais.

domingo, 8 de abril de 2012

Poemas com rima – A vida que eu aqui trago

A vida que eu aqui trago
escondida no meu regaço
é para os outros fruto amargo
de um não muito longo abraço.

Mas tão logo me enredou
num elo sem retorno
e de quem não me amou
só espera o abandono.

De mim terá para sempre
o amor que conquistou
desde que habita o meu ventre.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

SOBREVIVÊNCIA

O ser humano habitua-se a tudo. Sobrevivemos às piores condições e raramente desistimos.

É para mim, todavia, uma surpresa ver como situações que anteriormente consideraríamos como degradantes, passam a ser interiorizadas como normais. E às vezes até  conseguimos achar  que são uma mais-valia.

É bom que assim seja, já que nos permite ultrapassar as mais cruciais dificuldades.

Mas, para quem está de fora, não deixa de ser estranho.