domingo, 5 de fevereiro de 2012

ANATOMIA

Nada mais do que um invólucro. Repito a mim mesma, nada mais do que um invólucro. E no entanto, deitado na mesa de dissecção, hesito em considerar-te um modelo ou um ser humano.

Se neste momento entrasse uma criança no teatro anatómico, parece-me que não lhe causarias qualquer tipo de desconforto. Sem uma perna, hirto e com uma tonalidade castanho acinzentada, assemelhas-te sobretudo a um dos bonecos que habitam nas prateleiras do seu quarto.

Na verdade, não te considero assustador. Aliás, és já demasiado conhecido, o mesmo ao longo de várias gerações de estudantes, para quem tens sido um silencioso professor.

Nada mais que um invólucro, no entanto mostras-me a efemeridade da vida e obrigas-me a enfrentar a realidade da morte. Fico mais ciente de como tudo é temporário e de que o importante é o momento presente. A tua face é jovem e dou por mim a pensar como vieste aqui parar, onde gastaste os teus dias, e até mesmo onde estarás agora.

De certa forma sinto-me uma intrusa, penetrando nesse aglomerado de ossos, músculos e tecido conjuntivo que tão sossegadamente expões. Mas é graças a ti que é mais fácil conhecer os mistérios desta máquina chamada corpo humano. Localizando artérias e veias, qual mapa de uma grande cidade, podemos ver melhor o suporte físico da sua actividade.

Dos meus olhos aguados, irritados pelos vapores de formol, começam a cair algumas lágrimas. Mera reacção fisiológica ou tributo à tua presença?

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