terça-feira, 3 de janeiro de 2012

ENVELHECER

Actividade incontornável, inscrita em cada uma das nossas células, conduz inevitavelmente à morte. A célula envelhecida (senescente) sinaliza a sua decrepitude e assim, com dignidade, sem efeitos colaterais, é eliminada do sistema. De uma forma programada, e bem concebida, o seu declínio traz juventude ao sistema, que assim continuamente se renova. Graças a esta morte, conhecida como apoptose, habitamos um invólucro que, a nível celular, pouco partilha com a versão original, mantendo todavia a sua identidade. Muito eficaz.
Esta aparente candura a nível celular, já que os mecanismos em si são por demais complicados, não tem paralelo no indivíduo. O nosso corpo não apresenta esta forma “pacífica” de envelhecer e, finalmente, morrer.
Será difícil que aceitemos de forma honesta, que admitamos para nós mesmos, que o envelhecimento e a morte são fenómenos aprazíveis e necessários ao bom funcionamento do grupo humano, tal como o são para as células do organismo. Podemos disfarçar com os lugares comuns como “velhos são os trapos”, ou que a velhice traz sabedoria, mas na verdade, qual é a vantagem para nós mesmos de envelhecermos? Qual a vantagem de lentamente perdermos a capacidade de ver sem óculos, de já não nos movemos tão bem como era habitual, de não podermos comer tudo o que gostávamos, de não conseguirmos dormir uma noite seguida, de começarmos a sentir dores várias, até em locais que não conhecíamos? Porque não, como as nossas células, mantermos as funções íntegras até morrer, em vez de acumularmos próteses e outros aditamentos, até finalmente desaparecermos?
Há todavia uma parte de nós, e verdade seja dita a mais importante, que parece contrariar esta tendência. Contrariamente à visão, que não consegue acompanhar o prolongamento da nossa existência, o cérebro tem outra história. É certo que envelhece, e para alguns até de forma dramática, mas ao mesmo tempo, sabemos agora, conserva grande plasticidade. É graças a ela que alguns de nós conseguem recuperar funções perdidas, por exemplo em acidentes de viação ou vasculares. Por isso aprender coisas novas é tão importante ao longo de toda a vida, para aproveitar e desenvolver esta plasticidade. O cérebro velho não é só memórias e sabedoria, continua a ser curiosidade. E lá voltamos aos lugares comuns - “aprender até morrer”.

1 comentário:

  1. Gostei muito. Uma escrita cristalina, límpida e simultaneamente rica.

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