Um dos aspectos interessantes da biologia é a revelação de como estamos próximos das nossas raízes.
Sabemos hoje que os cérebros humanos possuem género, com algumas áreas diferentemente desenvolvidas no homem e na mulher. Tal diferença constitutiva, poderá finalmente explicar algo que sabemos há muito do senso comum, e que se tem materializado numa, às vezes pouco saudável, guerra dos sexos – os homens e as mulheres vivem mundos diferentes.
O homem, com mais massa muscular e livre da tarefa da gestação, trazia o sustento para o lar, o que hoje seria o ordenado, mas que outrora se traduzia em peças de caça. Como tal, desde os nossos primórdios necessitou de uma boa orientação espacial e de ser competente naquilo que fazia, pois dele dependia a sobrevivência da família. A mulher tratava da descendência e das colheitas e, saber o que um pequeno ser ainda mudo desejava, era tarefa que exigia capacidades sensoriais mais aperfeiçoadas.
Não admira, portanto, que a mulher se aperceba facilmente dos pormenores em relação aos que a rodeiam, uma espécie de leitura nas entrelinhas, vulgarmente conhecida por intuição. Para assegurar o seu papel de vigilante do ninho, esta capacidade era de suprema importância. Detectar atempadamente as mais subtis mudanças no comportamento da sua progenitura poderia fazer toda a diferença nas questões de sobrevivência.
Tais diferenças, hoje poderão não ser mais do que um resíduo evolutivo, dadas as mudanças radicais no nosso modo de vida. Já não é o homem o único caçador nem a mulher a fada do lar. Mesmo que a gestação ainda seja um empreendimento exclusivamente feminino, pode ser controlada graças à contracepção. Por isso, algumas atitudes femininas na escolha da cara-metade, adquiridas provavelmente graças à evolução, tenderão a diluir-se ao longo do tempo. O encontro sexual deixou de desaguar na reprodução – actividade que todavia continua a implicar um grande investimento da fêmea humana – pelo que as relações fortuitas começam a deixar de ser a imagem de marca do sexo masculino.
Todavia as diferenças ainda transparecem. Ironicamente fala-se cada vez mais delas, ao mesmo tempo que se prega a igualdade entre os sexos. E voltamos à intuição feminina, aquela estranha magia que permite a uma mulher perceber o que está a acontecer num ambiente em que acabou de entrar. Para um homem essa é uma tarefa árdua, que carece de sinalização mais óbvia, como lágrimas, gritos ou sorrisos.
O que para mim é curioso é encontrar algo de semelhante noutros animais, as tais raízes. Não costumamos apreciar muito essa proximidade, promiscuidade diriam alguns. É habitual considerarmo-nos no topo da evolução, suficiente distantes para encararmos os outros animais, mesmo os primatas, como pobres tentativas de imitação.
O tentilhão listrado aprende a reconhecer o sexo oposto confiando nas observações que faz do aspecto dos outros tentilhões, iniciando essa jornada de aprendizagem tendo os seus progenitores como modelo.
Alguém já tentou trocar-lhes as voltas. Utilizou tentilhões albinos, em que a única diferença aparente indicadora do género é a cor do bico, colocando machos recém-nascidos a viverem com progenitores cuja cor do bico foi trocada. Quando estes machos atingiram a maturidade foi-lhes permitido tentar acasalar, numa gaiola que tinha acopladas, uma de cada lado, duas outras gaiolas com tentilhões estímulo. O nosso tentilhão enganado escolhia para acasalar o tentilhão estímulo cujo bico fosse da cor do da sua mãe.
Não podendo aceder à intimidade da potencial companheira confiava na sua aprendizagem visual. O sinal apelativo era a cor do bico, mesmo que na realidade o pudesse levar a gastar as suas energias tentando cativar outro macho.
Mas o interessante nesta história surgiu quando a experiência foi repetida com tentilhões fêmea. Chamemos-lhe ou não intuição feminina, o certo é que as damas não se deixaram enganar, preferindo ser cortejadas por verdadeiros machos, mesmo que estes se apresentassem de bico travestido. De alguma forma não se deixavam iludir com as aparências, utilizando outro tipo de observação, quiçá o comportamento do candidato a pretendente.
É que, convém não esquecer, a fêmea tem menos oportunidades, relativamente ao macho, de produzir descendentes. Fabricar ovos, chocá-los e alimentar recém-nascidos é um processo muito mais moroso do que o fugaz depositar de alguns milhares de espermatozóides.
Assim sendo, a tal capacidade de ler nas entrelinhas e fugir ao logro, é uma mais-valia que qualquer fêmea que se preze deve utilizar.
São inúmeros os exemplos como este, em que as fêmeas, relativizando as falsas aparências, confiam nalguma misteriosa capacidade de ver mais além. Até as humanas.
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